Parte XVI: 11h - 6 de fevereiro de 2030 - Casa do Marcel
- Por Gabriela Carvalho
- 17 de dez. de 2016
- 6 min de leitura

Ema e Clara estão desanimadas no sofá, o desenho que Ian colocou não as entretêm . Ele está na cozinha, fritando batatas e preparando os hambúrgers. Ele leva os pratos para as crianças.
- Mamãe pedia e o Billy vinha entregar! – diz Ema olhando para o lanche.
- O quê?! Não está tão feio assim! Tem carne, queijo – conforme Ian vai falando o lanche desmonta no prato, Clara começa a rir e Ema controla o sorriso, querendo parecer triste, Ian sorri também – É, bom, não está tão bonito quanto os do Billy eu suponho, mas garanto que está mais gostoso. Pelo menos a gente sabe que veio da cozinha do Tio Marcel. Você comeria esse lanche se não soubesse de onde veio? – ele pergunta, Clara afirma que não com a cabeça – Nem eu, mas a gente sabe, não é?! Então podemos comer sem medo, correto? – ele fala, pegando o lanche dele e mordendo, as meninas passam a fazer o mesmo – vocês já jogaram acerte o personagem? – elas olham uma pra cara da outra sem saber o que é o jogo – não! O que as crianças de 2030 brincam? “Acerte o personagem” era uma brincadeira que fazia quando era jovem, temos que ir lá na frente e imitar algum personagem, pode ser até seu irmão, mas não podemos falar o que é, a pessoa tem que adivinhar. É assim! – ele fala, levantando e indo pra frente da televisão, imitando um urso, as meninas começam a rir.
- É um urso! – diz Ema.
- Acertou! Quando vocês terminarem de comer, vamos brincar disso, tá bom?! – ele fala, as meninas devoram o lanche rapidamente.

- Conheci Mary quando tinha dezesseis anos na escola. Ela era linda, porém distante e misteriosa, não tinha amigos e vivia andando sozinha, olhando para baixo, meus colegas diziam que ela era amante de satã, pertencente a uma família de bruxas, que faziam rituais a noite na floresta, que nesses rituais, elas sacrificavam bebezinhos como oferenda e bebiam seu sangue. Havia muito desaparecimento de crianças naquela época – conta Paul.
- Onde foi isso? – pergunta Anastácia.
- Em Portland. Nascemos lá, Mary chamava minha atenção, quando olhava pra ela, tinha a sensação de escutar sons na minha cabeça, melodias, ela me passava paz, sabia que podia confiar nela. Com o tempo, começamos a nos aproximar, ela foi mudando, soltou o cabelo, usava mais vestidos, roupas leves, parecia um anjo. É claro que os comentários maldosos ainda surgiam na escola: bruxa, feiticeira. Ela detestava tudo isso, queria viver longe disso. Um dia, novas alunos chegaram na escola, agiam como Mary, sem amigos, sozinhos, todos eles tinham tatuagens, pertenciam a algum grupo, eram estrelas nas mãos direitas. Um dia, fomos acampar, Mary sempre usava blusas de manga cumprida, quando ela tirou, percebi uma tatuagem, uma árvore com as raízes no seu pulso e as folhas na palma de sua mão, era linda! Não gostava de tatuagens e meus pais sempre me educaram a nunca fazer uma, mas aquele desenho era espetacular, delicado, não fiquei bravo com ela e nem pedi para que ela tirasse, mas ela quis. Duas semanas depois, o pai dela apareceu na porta da escola e pediu para que eu a levasse pra longe daquele lugar. À noite, Mary me contou que os novos alunos pertenciam a grupo que acreditava ser descendente de bruxos muito poderosos, irmão gêmeos, que um deles foi responsável pela criação da imortalidade e que o outro queria usar esse poder para causar o caos, que ela era descendente da irmã deles, que impediu seus planos prendendo-os em outro plano. Um estava morto e o outro, bom, um certo grupo queria libertá-lo, pois uma vidente havia informado que o mundo seria destruído se a humanidade continuasse a percorrer esse caminho: tecnologias, avanços, progresso, mortes, desastres, guerras. Então, os dois... Como ela falava?... Clãs, os dois clãs descendentes dos gêmeos queriam trazer de volta o irmão que ainda estava vivo, com o intuito de criar uma nova era, ele colocaria ordem na bagunça e eles não precisariam mais se esconder, a verdade seria revelada, seus pais estavam tentando impedir como sua ancestral impediu, porém, eles eram em menor quantidade e temiam a morte de todos. Quando ouvi isso, deduzi que o comportamento de Mary era influenciado por pessoas que acreditavam em conspirações mágicas, Mary estava rodeada de pessoas que fingiam existir uma fantasia, mentira disfarçada de realidade. Eram loucos! Quando ela engravidou do Sam, estávamos no segundo ano da universidade, o pai dela me procurou e pediu mais uma vez para que saíssemos de lá, dessa vez, ela me implorou para fugir. Então, trancamos a faculdade e viemos pra cá, eu me formei em direito e ela entrou na polícia. Depois que Sam nasceu, ela procurou um tatuador e pediu para ele cobrir com tinta da cor da pele a arvore em sua mão, depois de tantos procedimentos estéticos falharem na remoção do desenho, ela apelou para o método mais simples que funcionou, porém o desenho teimava em aparecer de tempos em tempos, riscos claros em cima da tinta, ela cobria com maquiagem todos os dias de manhã. Na manhã que ela morreu, o desenho voltou completamente na pele e ela se assustou, disse que aquilo era um prenúncio do mal, ela estava assustada com os casos que Marcel estava investigando, dizia que as mortes a fazia lembrar de um passado doloroso. Foi quando me dei conta que o melhor que podia ter feito era ter afastado Mary daquele mundo sombrio, ela nunca esqueceu, sempre teve pesadelos à noite, mas se continuasse a conviver com eles, ela estaria louca e não teríamos criado dois filhos – finaliza Paul, apertando a mão do filho – jurava que tudo era um sonho, era mentira. Não posso acreditar que seja verdade. Sempre fui um homem de fé, me confesso uma vez por semana e oro todos os dias pelo bem da minha família.
- A igreja nos esconde há séculos – diz Anastácia.
- O quê?! – pergunta Paul perplexo.
- As cruzadas foram guerras do bem contra o mal, a igreja enviava seus soldados para dizimar pessoas que eram contra os princípios cristãos, foi quando descobriram pergaminhos que contavam a história dos irmãos, que revelavam sobre a existência de bruxos e vampiros, eles queimaram os documentos e passaram a nos caçar como animais ao longo dos anos. No séculos 14, 15 e 16, éramos considerados demônios, morri em 1592, enforcada e afogada, acusada de bruxaria. Milhares de moças morreram assim! No porão dos mosteiros, os que não eram mortos, ficavam lá, para serem expostos em praça pública, os vampiros não saíam ao sol, então eles faziam questão de nos expor ao meio dia na praça, para que morremos queimados vivos.
- Como vocês saem no sol? – pergunta Sam.
- Eu nasci de uma humana! Meu avô foi atrás de Teodor para conseguir seu sangue a fim de curar minha mãe, a gravidez era complicada. Ela tomou sangue de vampiro os oito meses que fiquei em sua barriga. Já Ian e Marcel foram presenteados por Ayla, bolamos um plano para enviar Teodor de uma vez por todas para sua prisão, Baltazar – ela aponta para Sam – se ligou ao irmão e usou um feitiço para trocar de aparência, fingiu ser Ian, quando Teodor arrancou o coração dele, eu joguei no fogo, ele se sacrificou para matar seu irmão. O corpo de Teodor não existe mais, mas a alma dele ainda está viva, acho que o que você ouviu não foi apenas a libertação de alguém, foi à criação de um novo corpo, eles precisam dar a alma de Teodor uma casca, um corpo para que ele possa andar novamente na terra.
- Como eles fazem isso? Matando? – pergunta Paul.
- Magia negra necessita de sacrifícios para se fortalecer, mulheres são “hospedeiras”, elas tem o poder de dar a vida e os bebês, bom, crianças são inocentes por si só, a alma delas é pura. As trevas se alimentam da luz, é assim desde o inicio dos tempos – finaliza Ana.

A polícia invade o prédio residencial. Marcel está atrás de Petter. Eles chegam perto de uma porta.
- Diogo González! Polícia de Nova York, abra a porta! – diz Petter batendo na porta, ninguém atende – Afaste-se! Vamos arrombar!
Os policiais arrombam a porta, Diogo está em pé na janela, o apartamento está vazio, não existem móveis. Os policiais invadem o local e começam a entrar nos outros cômodos, Petter pega o rapaz e o algema, ao olhar sua mão percebe o curativo.
- Marcel, encontramos ele! – ele grita, Marcel olha a mão machucada do rapaz e levanta um pedaço da faixa, vendo a borda do desenho.
- É ELE! Podem levar! – diz Marcel, encarando-o, Diogo também o encara diabolicamente, com um leve sorriso na face.

PRÓXIMO CAPÍTULO - 24 DE DEZEMBRO DE 2016
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